Superendividamento: o não comparecimento injustificado do credor na audiência de conciliação pode acarretar em sanções

Conforme o informativo de jurisprudência n° 836, do STJ, em decisão recém proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial N° 2168199), tratando-se de processo de tratamento de superendividamento, restou decidido que o comparecimento do credor à audiência de conciliação (mesmo em fase pré-processual) é nada mais que dever anexo ao contrato celebrado entre a instituição financeira e o consumidor, e em caso de ausência injustificada por parte do credor (instituição financeira), pode haver a aplicação de sanções sobre o mesmo, como a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos de mora.

Como explicado na decisão de relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, o processo de tratamento do superendividamento se divide em duas fases: a pré-processual (conciliatória) e a processual. O fato é que o objetivo da fase conciliatória é instituir um plano de pagamento consensual, que torne viável ao consumidor superendividado arcar com os seus débitos, caso não haja essa conciliação (em momento pré-processual), há a instauração de processo judicial, quando solicitado pelo consumidor.

Nesse sentido, é dever do fornecedor (credor) comparecer à audiência de conciliação, isto em decorrência do princípio da boa-fé. O princípio da boa-fé, de acordo com Fernando Noronha, pode ser entendido “como dever imposto às partes de agirem de acordo com determinados padrões de correções e lealdade”¹. Ademais, Antônio Carlos Efing ensina que os deveres gerais de conduta devem ser observados nas fases pré e pós-contratual², logo, podemos extrair que os fornecedores (instituições financeiras) têm o dever de agir com padrões de correção e lealdade, mesmo em momento pós-contratual (ou até em situação pré-processual, como no julgado). Ainda, o artigo 66, da Lei Estadual n° 22.130, que entra em vigor a partir de março de 2025 prevê disposição que reforça essa visão, expondo que 

nas relações de consumo deverão ser observados os princípios da probidade e boa-fé em todas as etapas do negócio jurídico.

Esse julgamento reforça o entendimento de que o consumidor é parte vulnerável em meio a uma sociedade de consumo, e de que as instituições financeiras também têm responsabilidade por situações de superendividamento, especialmente pela falta de informação adequada. Além dessa mudança jurisprudencial, há uma mudança na legislação, como a Consolidação das Leis de Defesa do Consumidor do Estado do Paraná (ou Lei Estadual n° 22.130), que, entendendo a vulnerabilidade de muitos consumidores, veda a contratação de empréstimos através de autorização por telefone, aplicativo de comunicação, fotografia  e gravação de voz por idosos, aposentados ou pensionistas (art. 92, §1°), que muitas vezes nem tem ciência de que estão celebrando um negócio dessa natureza.

Portanto, o consumidor superendividado pode, através do processo de tratamento de superendividamento, buscar uma alternativa para quitar seus débitos, preferencialmente em fase conciliatória, e se não houver êxito nesta, poderá haver a instauração do processo judicial.

 

Texto e apuração de Felipe Bajerski Bogus.

Supervisão e revisão de Núbia Fonesi (OAB/PR nº 103.559).

¹NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual.– São Paulo: Saraiva, 1994. p. 125.

² EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. 6 ed. Curitiba: Juruá, 2024. p. 141.